Por que alguns homens assediam sexualmente?...


Samantha Zen exibe o tema "Luta" sob o olhar atento de Aika Cortez durante a Batalha das Musas (Foto: Alexandre Araújo/MAR)

Cada vez mais comuns, os relatos de mulheres mundialmente famosas que sofreram assédio sexual nas mãos de seus produtores e empresários tem causado polêmica no meio das chamadas "celebridades". Mas, além das notícias bombásticas, os relatos apontam para um sintoma que provoca danos irreparáveis na vida dessas mulheres. Em um artigo publicado na última quarta-feira (13) no jornal americano The New York Times, a atriz mexicana Salma Hayek denunciou o produtor de cinema norte-americano Harvey Weinsteins (Miramax e The Weinsteins Company). Trata-se de mais um caso de assédio sexual envolvendo uma "estrela" de Hollywood e o magnata da indústria do entretenimento, segundo informou a BBC Brasil, outras atrizes também já relataram suas experiências de assédio sexual com Weinsteins, como Angelina Jolie e Gwyneth Paltrow. O caso nos leva a refletir sobre a natureza do assédio sexual, como alguns homens se utilizam da posição de poder para assediar mulheres. 

Por coincidência, no mesmo dia, a Rap Plus Size (Issa Paz/Sara Donato) lançou o clipe oficial da música "O pano rasga". Tem muito a ver com a maneira como nos sentimos quanto a isso.  



A música fala sobre aquilo que já não dá mais pra tolerar. Chega de silenciar sobre o que realmente importa, a nossa liberdade. Os homens assediam sexualmente porque eles pensam que podem. E as denúncias de assédio sexual são cada vez mais comuns porque nós, mulheres, estamos falando, agora, enfim, as mulheres podem falar.

Se a mulher não demonstra interesse, e mesmo assim as investidas persistem... isso é assédio sexual. No ambiente de trabalho, o assédio pode acabar sendo ainda mais grave, porque é um tipo de coerção de caráter sexual praticada por uma pessoa em condição hierárquica superior em relação a outra pessoa subordinada. Quer dizer, o "chefe" está numa posição de poder sobre a "contratada", pois ele tem o poder de dispensá-la quando ele quiser. Agora, imagina quantas mulheres ainda sofrem esse tipo de violência... 

5 da Braba na Batalha das Musas no MAR faz seu manifesto em versos contra o machismo (Foto: Isabella Madrugada)

Às vezes aceitar as "gracinhas do chefe" é uma condição para manter o emprego, e influencia nas promoções na carreira da pessoa assediada, que sofre humilhações e intimidações. Outras vezes o chefe oferece recompensas no trabalho, ou, se ele não conseguir o que deseja, pode até ameaçar a pessoa assediada. 

O assédio é apenas um dos diversos tipos de violência sexual, e no ambiente de trabalho prejudica o rendimento profissional de muitas mulheres.

Muitas são as violências sexuais sofridas diariamente por uma mulher, como estupro, importunação ofensiva ao pudor, assédio moral etc. Além disso tudo, várias de nós, mulheres, precisamos aprender a superar outro fantasma: o abuso sexual na infância. 

O assunto é um tabu, e precisa ser tratado com uma abordagem atenta. Tanto o assédio quanto o abuso sexual encontra no silenciamento um aliado. Isso tem a ver com poder de voz... não apenas poder falar e ouvir, mas principalmente tem a ver com poder ser ouvida.

Cashy MC Bicampeã da Batalha das Musas no MAR (Foto: Isabella Madrugada)

"Meu primeiro assédio" estava no quadro da segunda edição da Batalha das Musas, que aconteceu no Teatro Popular Oscar Niemeyer, no dia 07 de junho de 2017, durante o I Encontro Latino-Americano de Comunicadores Comunitários (ELACC)

A plateia fez barulho para o tema, identificando-se com a hashtag viral nas redes sociais. As MC's Mell Britto ("Batalha do Real") e Cashy relataram as suas experiências pessoais emocionadas. Diante dos fantasmas do passado, o que está dentro de nós também pode ser transformado para melhor. 

Nas batalhas seguintes, as MC's Lya, Azzy, Aika, Treze... todas elas tinham histórias para contar sobre experiências pessoais com algum tipo de abuso contra a mulher. 

A cada dia enfrentamos problemas éticos, e temos que resolvê-los, com ou sem ajuda.

Ventura e Emana na Batalha das Musas no Teatro Popular Oscar Niemeyer (Foto: Sérgio Odilon)

O ponto sobre o qual nos debruçamos aqui é justamente este, agora que nós, mulheres, podemos falar... Vale lembrar que há algumas décadas atrás a nossa palavra não era escutada. Além de limpar, lavar, as nossas tarefas eram cuidar das crianças e cozinhar. As mulheres não podiam saber o que era a rua. Naquele tempo, a gente também precisaria cobrir o corpo. Por causa da luta contra o machismo, hoje em dia as coisas são bem diferentes, mas ainda tem muito o que mudar. 

Pensando na importância de criar espaços de escuta para celebrar a voz feminina no Rap, a Batalha das Musas nasceu como um ato político, e estimula mulheres a transformar palavras em discursos utilizando apenas duas ferramentas principais: a voz e a língua. Acreditamos que a língua está no político, no social, no cultural.

Samantha Zen, apresentadora da Batalha das Musas, superou o bullying (Foto: Isabella Madrugada)

Como alternativa possível ao sistema patriarcal, entre outras propostas está a de construir estruturas educacionais onde as mulheres são responsáveis pela formação dos homens com uma ideologia de libertação das mulheres. A Batalha das Musas é um projeto que busca de alguma forma contribuir nesse sentido. As MC's participantes são como contadoras de histórias, e elas desenvolvem narrativas versadas sobre os temas, com base em suas próprias experiências de vida. Muitas das vezes, no desenrolar das narrativas, cada uma delas pode acabar revelando fragmentos de uma biografia assustadoramente repleta de experiências de abusos, inclusive no ambiente das batalhas de MC's. 

Azzy, com 16 anos de idade, na Batalha das Musas no Teatro Popular Oscar Niemeyer 25/08/2017 (Foto: Sérgio Odilon)

Normalmente, nas rinhas só tem espaço para uma pessoa vencer... Em duelos de MC's, o público escolhe na hora quem ganhou, e a maioria da plateia é quase sempre formada por homens. Existe uma desigualdade, se pensarmos em números... mas isso deve mudar. Por causa dessa desigualdade, algumas MC's já sofreram, por exemplo, com o bullying e com o cyberbullying.

Para contrariar a lógica patriarcal de competição, procuramos trazer determinados temas com os quais todas as MC's se identificam (para citar alguns: "respeita as lésbicas", "não há cura para o que não é doença", "novinha é pedofilia", "meu padrão eu mesma faço" etc). Assim, o discurso de uma complementa o da outra, num desafio cheio de significado.

No âmbito da narrativa, consideramos língua e discurso indivisos, porque deslizam sobre o mesmo eixo de poder. Por sua mecânica de "Fala", o freestyle não pode ser contido nos limites da frase, e o discurso se fixa por uma cadeia de constrangimentos, de opressões, de repressões, sutis e agudas. 

Assim, pela sua própria natureza espontânea, o verso improvisado (freestyle) recolhe o "impuro" da língua, ou seja, o freestyle recolhe a música de que é feita a língua ativa: os desejos, os temores, as caras, as intimidações, as aproximações, as ternuras, os protestos, as desculpas, as agressões, enfim, os afetos...

MC's Nati e Pekenina na Batalha das Musas no MAR 02/12/2017 (Foto: Isabella Madrugada) 

Ignorar as questões éticas, cuidando apenas da vida prática (por exemplo, arranjar dinheiro, arranjar-se na vida, progredir profissionalmente...) é também deixar-se levar pelo sistema, renunciando ao nosso anseio de liberdade. Afinal, para onde os acontecimentos da vida estão nos levando?...

Acreditamos que a libertação dos homens depende também da libertação das mulheres. Por isso a luta para desconstruir o machismo dos nossos próprios parceiros é a luta mais difícil. Se nós mulheres não mudarmos a nossa mentalidade e postura diante do machismo, não poderemos mudar a sociedade.

Falar de ética significa falar de liberdade. Pois a ética se refere às ações humanas. Hoje, o cinismo dos poderosos é ainda mais explícito que ontem. As relações internacionais baseiam-se na força. E, assim, os homens vão sendo cada vez mais reduzidos a funções passivas, vão desaprendendo a arte de se expressar, perdendo sua voz e sua vez.

Mas, por outro lado, o espaço é uma das condições do exercício concreto da liberdade. Quer dizer, para que o ser humano seja livre, ele precisa do seu espaço interior, de sua casa, de seu salão, de sua praça, de sua terra. Sim, ocupar é preciso.

Homens e mulheres estamos resistindo à brutalidade ocupando os espaços juntos. O sentimento de impotência diante do sistema da realidade não é o bastante para nos abater. De cabeça erguida e peito aberto, buscamos assumir a nossa vida de maneira mais ética, e, nesse sentido, mais livre e mais humana.

Isso é o que esperamos para 2018... Como diz a música da Rap Plus Size: "Não adianta passar pano, que o pano rasga"... Estamos trabalhando intensamente para o nosso crescimento, em breve de volta na pista. Seguimos! 

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